“Arraiá dos Santos”: Festa junina promovida por igreja evangélica reacende debate sobre limites da contextualização cristã

A unidade da igreja Bola de Neve Church em Santo André, na região metropolitana de São Paulo, promoveu recentemente um evento com clima de festa junina, repleto de decoração típica, trajes caipiras e comidas tradicionais. Chamado de “Arraiá dos Santos”, o encontro reuniu membros da comunidade em um ambiente descontraído, com o objetivo de fortalecer a comunhão entre os fiéis.
Apesar do tom leve e da proposta festiva, a iniciativa reacendeu um velho debate no meio evangélico: cristãos devem participar — ou adaptar — festas de origem secular ou pagã?
Para alguns líderes e fiéis, a resposta é sim, desde que haja ressignificação e que o foco esteja na comunhão e na evangelização. Para outros, qualquer associação com elementos culturais que tenham raízes não cristãs pode comprometer o testemunho da igreja e confundir os limites entre o sagrado e o profano.
As festas juninas, tradicionalmente associadas a santos católicos como São João, Santo Antônio e São Pedro, carregam elementos históricos de sincretismo cultural. Por isso, quando igrejas evangélicas incorporam símbolos dessas celebrações, mesmo com nova roupagem, a discussão volta à tona: trata-se de uma estratégia de evangelização ou de uma concessão ao mundanismo?
A Bola de Neve Church, conhecida por suas abordagens pouco convencionais, já realiza esse tipo de confraternização há alguns anos. Além das festas juninas, a igreja também se destaca por uma iniciativa singular: uma bateria de escola de samba formada por membros da congregação que participa do Carnaval com a proposta de anunciar o evangelho em meio à folia.
Essas ações fazem parte de uma estratégia deliberada de ocupar espaços culturais populares com uma abordagem cristocêntrica. A ideia, segundo os defensores da proposta, é usar a linguagem e os símbolos presentes no cotidiano das pessoas para transmitir a mensagem de Cristo.
“Não se trata de diluir a fé, mas de contextualizar o evangelho onde as pessoas estão”, dizem os apoiadores.
No entanto, a iniciativa também enfrenta resistência. Para setores mais conservadores da igreja evangélica, tais práticas representam uma perigosa flexibilização dos princípios bíblicos, onde a linha entre o que é santo e o que é secular torna-se cada vez mais tênue.
A discussão, que vai além de uma simples festa, evidencia a tensão entre tradição e inovação que atravessa a igreja contemporânea. Enquanto alguns preferem manter distância de qualquer prática associada a festividades não cristãs, outros enxergam nessas mesmas ocasiões uma oportunidade estratégica de se aproximar das pessoas e levar a mensagem do evangelho de maneira relevante e atual.
Seja vista como ousadia ou concessão, a postura da Bola de Neve reflete um fenômeno crescente no cenário religioso brasileiro: o desafio de equilibrar fé, cultura e missão em um país de múltiplas expressões.
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